Friday, March 17, 2006

Ônibus 174



O jornalismo está o tempo todo desenhando o espaço social, hierarquizando-o. Ele atribui valores, cria sentidos e discursos sobre discursos. É coadjuvante na construção da realidade. No documentário “Ônibus 174”, o fato é narrado a partir das fontes que apresentam um discurso sobre o real (emissoras de televisão). A cobertura da época não informou o telespectador com profundidade. As imagens mostraram somente o que acontecia no momento: Sandro, o bandido, o marginal que fazia várias pessoas reféns dentro de um ônibus. Para Mayra Rodrigues Gomes, o jornalismo tem o papel de observador e deve denunciar os deslizes do Estado. Sempre vigiando o exercício do poder. É a partir desse papel que o documentário “Ônibus 174” assume posição de vigilância com apuração e denúncia.
No filme, o diretor José Padilha realiza um trabalho para revelar que, as primeiras imagens que foram mostradas, eram apenas uma parte do caso, um fragmento. Ele reconta e constrói a história, mostra a outra face, o outro lado da questão, dá um sentido. O “efeito real” é construído desde a infância de Sandro. O diretor aponta índices que formam o caráter e a identidade do seqüestrador. Mostra documentos, fotografias e imagens. Usa depoimentos de familiares, autoridades, amigos, vítimas, bandidos, policiais e envolvidos no caso para formar a personalidade de Sandro. Conclui que o episódio está ligado às raízes sociais e econômicas do país e denuncia a nossa responsabilidade pelo ocorrido.
Garoto pobre, menino de rua e sobrevivente de grandes tragédias. O caminho dele foi marcado por traumas: morte da mãe, chacina nas ruas. Foi excluído pela maioria e apoiado por poucos. Invisível e vítima de preconceitos e do abandono. Cadeias superlotadas, repressão policial, descaso e despreparo das autoridades, além da falta de esperança, elementos que, segundo o documentário provocaram o final trágico do dia 12 de junho de 2000.
José Padilha mostra a diferença entre viver e sobreviver. A desigualdade social, as mansões e os barracos e o chão gelado das marquises. Desenha o espaço social ordenando, colocando valores e escolhendo o que será priorizado. Começa a contar pelo que mais chama a atenção: o seqüestro do ônibus. Ao longo do filme entra nos detalhes com explicações sobre os envolvidos, voltando sempre ao foco principal. Dessa forma constrói o documentário. Coloca em questão o Estado que não conseguiu estabelecer a ordem, a organização e responsabilidade dele no caso.
Assim, o jornalismo está sempre construindo discursos sobre discursos, textos sobre textos para promover o efeito de realidade. As matérias jornalísticas estão sempre usando recursos como entrevistas, citações, imagens e fotografias. Tudo para remeter ao real. Esses elementos fazem a construção da verossimilhança e da credibilidade.

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